Pedagogia da memória para podermos «<em>sentar a honra à mesa</em>»
A história ficcionada da Resistência ao fascismo, apesar dos cercos impostos pelos novos vigilantes de serviço, vai-se construindo, com qualidade literária algo inesperada, em textos que traçam as vivências dos seus autores na luta que opôs a oposição comunista (outros, como sabemos, decidiram hibernar para climas mais amenos) a Salazar e Caetano.
Se o neo-realismo construiu, de forma política e literariamente eficaz, os alicerces de uma literatura empenhada na denúncia dos mecanismos opressores do fascismo, um realismo de novo tipo surgiu, e vai-se consolidando, com a Liberdade conquistada a 25 de Abril de 1974. Em lugar dos oprimidos que gritavam a revolta nas praças de jorna, das casas da malta, das searas de vento e sangue, dos meninos atirados para o chão de barro e vergonha dos esteiros, ou dos homens humilhados, pela usura, em todos os barrancos de cegos, apesar deste chão lapidar, que constituiu o melhor e mais fecundo caudal criativo da narrativa portuguesa de grande parte do século XX, uma outra escrita emerge para nos contar, pelas vozes dos seus protagonistas, as histórias verdadeiras, sofridas, da Resistência, do Combate ao fascismo. Viver não só para contar, mas viver para nos dar a conhecer a memória do vivido – para nos educar a memória – e, sobretudo, para que se não esqueça que neste país, ao longo de 5 décadas, afinal o fascismo existiu!
A realidade, o realismo histórico, é consequência da actividade prática realizada pelos homens, aquilo que a sua acção tornou real. Temos assim que, após o neo-realismo, um realismo épico, estabelecido por autores que participaram na Guerra Colonial e dessa experiência, nos limites do absurdo, nos quiseram deixar testemunho, frutifica e abre caminhos novos a uma literatura que, na análise de Óscar Lopes era, nos anos sessenta, desinteressante, bucólica, de regionalismo passadista, fortemente influenciada pelo nouveau roman e pelo existencialismo. Os textos sobre a Guerra Colonial, trouxeram para o terreno da denúncia confessional, a desmontagem da propaganda lorpa com a qual o salazarismo pretendeu justificar o envolvimento do País numa guerra sem sentido nem razão históricas.
Grito de alerta
Se Manuel Tiago, com Até Amanhã, Camaradas, inaugura, de forma incontornável, o percurso pedagógico da memória, a ele podemos acrescentar, para nosso júbilo, o magnífico romance de José Casanova O Caminho das Aves, os contos de Eugénia Cunhal, modelares de língua e de sintaxe, de Erva Verde Para Cláudio; Mulher de Abril, Álbum de Memórias, de Virgínia Moura; e muitos outros que da vida e da luta nos deixaram testemunho e exemplo.
Aos autores citados, é justo acrescentarmos a voz de Manuel Pedro que em Resistentes nos remete, pela destreza do relato ficcional, pela clareza do testemunho, do vivido e do sentido, do solidário clamor que nele habita, para essa outra fronteira do dizer o tempo de brumas, de opressão e infâmia da noite fascista.
Ao longo de 12 textos, Manuel Pedro percorre a memória dos afectos, do companheirismo, da militância, da dolorosa travessia resistente que marcaram a vida de gerações que em Pátria amordaçada ousaram sonhar uma vida asseada e justa, onde pudéssemos ser livres.
Se a intenção da escrita sobre o real histórico é deixar sinais para os vindouros, inscrever a memória para que o futuro não esqueça e produzir «impulsos para a acção», os textos de Manuel Pedro, organizados nesta colectânea Resistentes, reflectem essa essência da condição humana, remetem-nos para a solidariedade, para a capacidade criadora do Povo, para a dignidade da luta e a razão dela.
Das prisões da Pide à vida clandestina, passando pela memória íntima de uma carta-póstuma para o pai (Monólogo), prosseguindo nesse conto de escrita madura, a definir um autor de mais vastos recursos, sabedor de tempos e modos de dizer (Amanhã..), até à crónica de uma viagem adolescente ao VI Festival Internacional da Juventude, em Moscovo, 1957, as histórias de Manuel Pedro traçam o percurso de um Povo, nele inscrevendo a crónica, de forma sensível e tocante, dos «homens e mulheres que o fascismo não dobrou».
O realismo histórico assente nas memórias dos que, denodadamente, resistiram ao medo e à tirania emerge como um grito de alerta e de indignação, alternativa lúcida, activa e mobilizadora contra o conformismo e desistência que nos tentam impor como norma politicamente correcta. Resistentes, de Manuel Pedro, faz parte desse vasto e pedagógico projecto cultural – património nosso – de podermos «sentar a honra à mesa».
Resistentes, de Manuel Pedro - Edições Leitor
Se o neo-realismo construiu, de forma política e literariamente eficaz, os alicerces de uma literatura empenhada na denúncia dos mecanismos opressores do fascismo, um realismo de novo tipo surgiu, e vai-se consolidando, com a Liberdade conquistada a 25 de Abril de 1974. Em lugar dos oprimidos que gritavam a revolta nas praças de jorna, das casas da malta, das searas de vento e sangue, dos meninos atirados para o chão de barro e vergonha dos esteiros, ou dos homens humilhados, pela usura, em todos os barrancos de cegos, apesar deste chão lapidar, que constituiu o melhor e mais fecundo caudal criativo da narrativa portuguesa de grande parte do século XX, uma outra escrita emerge para nos contar, pelas vozes dos seus protagonistas, as histórias verdadeiras, sofridas, da Resistência, do Combate ao fascismo. Viver não só para contar, mas viver para nos dar a conhecer a memória do vivido – para nos educar a memória – e, sobretudo, para que se não esqueça que neste país, ao longo de 5 décadas, afinal o fascismo existiu!
A realidade, o realismo histórico, é consequência da actividade prática realizada pelos homens, aquilo que a sua acção tornou real. Temos assim que, após o neo-realismo, um realismo épico, estabelecido por autores que participaram na Guerra Colonial e dessa experiência, nos limites do absurdo, nos quiseram deixar testemunho, frutifica e abre caminhos novos a uma literatura que, na análise de Óscar Lopes era, nos anos sessenta, desinteressante, bucólica, de regionalismo passadista, fortemente influenciada pelo nouveau roman e pelo existencialismo. Os textos sobre a Guerra Colonial, trouxeram para o terreno da denúncia confessional, a desmontagem da propaganda lorpa com a qual o salazarismo pretendeu justificar o envolvimento do País numa guerra sem sentido nem razão históricas.
Grito de alerta
Se Manuel Tiago, com Até Amanhã, Camaradas, inaugura, de forma incontornável, o percurso pedagógico da memória, a ele podemos acrescentar, para nosso júbilo, o magnífico romance de José Casanova O Caminho das Aves, os contos de Eugénia Cunhal, modelares de língua e de sintaxe, de Erva Verde Para Cláudio; Mulher de Abril, Álbum de Memórias, de Virgínia Moura; e muitos outros que da vida e da luta nos deixaram testemunho e exemplo.
Aos autores citados, é justo acrescentarmos a voz de Manuel Pedro que em Resistentes nos remete, pela destreza do relato ficcional, pela clareza do testemunho, do vivido e do sentido, do solidário clamor que nele habita, para essa outra fronteira do dizer o tempo de brumas, de opressão e infâmia da noite fascista.
Ao longo de 12 textos, Manuel Pedro percorre a memória dos afectos, do companheirismo, da militância, da dolorosa travessia resistente que marcaram a vida de gerações que em Pátria amordaçada ousaram sonhar uma vida asseada e justa, onde pudéssemos ser livres.
Se a intenção da escrita sobre o real histórico é deixar sinais para os vindouros, inscrever a memória para que o futuro não esqueça e produzir «impulsos para a acção», os textos de Manuel Pedro, organizados nesta colectânea Resistentes, reflectem essa essência da condição humana, remetem-nos para a solidariedade, para a capacidade criadora do Povo, para a dignidade da luta e a razão dela.
Das prisões da Pide à vida clandestina, passando pela memória íntima de uma carta-póstuma para o pai (Monólogo), prosseguindo nesse conto de escrita madura, a definir um autor de mais vastos recursos, sabedor de tempos e modos de dizer (Amanhã..), até à crónica de uma viagem adolescente ao VI Festival Internacional da Juventude, em Moscovo, 1957, as histórias de Manuel Pedro traçam o percurso de um Povo, nele inscrevendo a crónica, de forma sensível e tocante, dos «homens e mulheres que o fascismo não dobrou».
O realismo histórico assente nas memórias dos que, denodadamente, resistiram ao medo e à tirania emerge como um grito de alerta e de indignação, alternativa lúcida, activa e mobilizadora contra o conformismo e desistência que nos tentam impor como norma politicamente correcta. Resistentes, de Manuel Pedro, faz parte desse vasto e pedagógico projecto cultural – património nosso – de podermos «sentar a honra à mesa».
Resistentes, de Manuel Pedro - Edições Leitor